Por Adriana Costa
Ouça ou leia, ou leia e ouça…
Hermann Broch é um escritor divisor de época. Em 1932, publicou a trilogia, Os Sonâmbulos, cada romance se desenrola quinze anos depois da história do precedente. Pasenov ou o romantismo em 1888, Esch ou a anarquia em1903 Hugenau ou o realismo em 1918.
A continuidade entre os romances não é feita pela continuidade das histórias dos personagens, o que vincula é o tema da desintegração dos valores humanos.
O escritor acreditava que a literatura era uma forma fundamental no exercício da compreensão.
“O romance tem de ser o espelho de todas as demais visões de mundo”
É a partir dessa obra que ele assume a necessidade da literatura prezar pelo conhecimento filosófico. No mesmo ano, a propagação do Fascismo e do Nazismo fez Broch abandonar seus projetos literários. Nos anos de 1937 e 1938, ele trabalhou na Resolução para a Liga das Nações, acreditando que os reconhecimentos internacionais e a aplicação dos direitos humanos podiam conter a onda fascista e nazista. Sua dedicação à luta contra o Nazismo lhe rendeu uma detenção em março de 1938; sendo preso pelos nazistas no dia da Anexação da Áustria pela Alemanha. Com ajuda do amigo James Joyce e de outros escritores, ele foi autorizado a emigrar da Áustria e de cidade em cidade chegou na América.
Nos Estados Unidos, Broch foi ajudado por vários amigos, também exilados, entre eles Albert Einstein e Hannah Arendt. A partir de 1940, Broch envolveu-se no trabalho com refugiados enquanto frequentou a Universidade de Yale. Nesse período, ele completou seu romance “A morte de Virgílio em 1945”. Seu último trabalho, o romance “O Encantamento” refere-se à psicologia de massa. Broch trabalhou nesse livro desde os anos 1930, mas o deixou inacabado. Às vésperas de retornar à Europa, ele morreu de um ataque cardíaco, em 30 de maio de 1951.
A obra de Hermann Broch é profunda e merece uma vida de estudos e dedicação, vou retirar deste oceano literário apenas uma gota : a personagem Hanna Wedling. Uma personagem que no meu entender apresenta de modo perfeito a habilidade da observação minuciosa do escritor; ele nos leva a respirar junto com Hanna Wedling, sentindo a atmosfera em que vive e cada camada de sua alma.A angústia de Hanna é apresentada como a vivência de uma ameaça indefinida e o estreitamento do seu espaço vital. A psicologia no romance é constituída de uma aguda consciência do espírito da época, um esfacelamento dos valores expresso claramente pelo personagem Gödicke:
“E a dor de uma alma estilhaçada e pulverizada em átomos obrigada a voltar à unidade é maior que qualquer outra dor, mais terrível que as dores do cérebro, que a cada pouco é sacudido por ondas de espasmos, mais terrível que todas as torturas físicas que acompanham o processo”
Um conflito não é um problema. Um problema é algo que o sujeito tem diante de si. Um conflito é algo que o sujeito se encontra dentro, algo que o circunda e o abarca por inteiro. Uma circunstância vital ou existencial , que impede a sua objetivação.
Elias Canetti apresenta em seus ensaios sobre Broch esta capacidade imersiva de sua escrita:
“Outros escritores coletam seres humanos Broch coletava os espaços respiratórios que os circundam, que contêm o ar que estivera em seus pulmões e fora expirado.
Deduzia desse ar colhido o que lhes era próprio, caracterizava os seres humanos a partir dos seus espaços respiratórios”
Esta atmosfera da guerra deixa evidente nossa vulnerabilidade respiratória e ao mesmo tempo a nossa comunhão:
“O ar é o nosso último bem comum. Ele cabe a todos, indistintamente.
Não é dividido por privilégios mesmo o mais pobre tem seu quinhão.
E se alguém tiver de morrer de fome, terá (o que decerto não é muito) podido pelo menos respirar até morrer… A obra de Hermann Broch situa-se entre uma guerra e outra”
Esta lembrança de Canetti nos faz retomar as circunstâncias venenosas destas guerras, não só físicas mas também psíquicas, na atmosfera de desconfiança e terror que até hoje encurta nossa respiração e entrecorta nossa fala.
Sugestão de leitura Elias_Canetti
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