Por Adriana Costa
Ouça ou leia, ou leia e ouça…
“[…] Parece que o que perguntei em meus livros foi: Como é que se pode resistir aos controles desta vasta sociedade sem virar um niilista, evitando o absurdo de uma rebelião vazia? Perguntei: Existiriam outras formas, mais bondosas, de resistir e de escolher livremente? Acho que, como a maioria dos americanos, dei preferência ao lado mais reconfortante, mais meliorista da questão. Não estou dizendo que deveria ter sido mais pessimista, porque descobri que o pessimismo, em quase todas as suas manifestações, é tão vazio quanto o otimismo. Mas sou forçado a admitir que não aprofundei essas questões o bastante. Não posso me culpar por não ter sido um severo moralista; sempre posso dar a desculpa de que, afinal de contas, não sou nada mais que um escritor de ficção. Mas não me sinto satisfeito com o que fiz até agora, a não ser com o lado cômico.”
Entrevista na The Paris Review – traduzida por Rodrigo Gurgel
Saul Bellow (1915-2005) é um autor norte-americano nascido em Lachine, cidade localizada na província de Quebec, no Canadá. Aos nove anos de idade, Bellow mudou com sua família para Chicago, nos Estados Unidos. A cidade tem um papel fundamental em sua escrita, ele se inspira no cotidiano dos tribunais, hospitais, delegacias e dessa observação atenta e escuta criativa, Bellow trabalha
nos seus personagens.
Recebeu bolsa da Fundação Guggenheim, o que possibilitou sua residência por dois anos na Europa, período em que escreveu; As aventuras de Augie March (1953), seu primeiro grande sucesso de público e crítica, vencedor do National Book Award. Nos trabalhos de Bellow, Chicago e Nova York são a América condensada, representando o passado de imigrante, o pensamento contemporâneo, a metrópole moderna, e a “vida íntima na América”.
“Sou americano, nascido em Chicago — Chicago, aquela cidade sombria —,
Entrevista Revista Ipsilon, junho 2015
e encaro as coisas da maneira que aprendi a fazer sozinho, em estilo livre.
Vou, portanto, fazer o relato à minha maneira: o que bater primeiro, é o primeiro a entrar;
às vezes uma pancada inocente, outras nem tanto.
Mas o carácter de um homem é o seu destino, diz Heraclito, e no fundo não há forma de disfarçar a natureza das pancadas, nem fazendo um tratamento acústico na porta nem cobrindo os nós dos dedos com uma luva.”
Herzog foi publicado em 1964, Saul Bellow tinha 49 anos nesta época. O romance tem pitadas da sua vivência de divórcio da segunda mulher, Sondra, inspiração para a traidora Madeleine — uma das personagens mais marcantes, entre as muitas que Bellow construiu. Herzog é uma forma de diálogo com o Bildungsroman (romance de formação). Consiste em experiências pelas quais o indivíduo passa e que o transformam, no sentido de uma resolução da crise instalada entre o indivíduo e seu mundo social.
Em Herzog o escritor faz uma crítica aos intelectuais niilistas que descartam o espiritual e uma vida com valores mais profundas. Herzog mostra alguém cuja vida intelectual obviamente não o preparou para o cotidiano, nas palavras do autor :
“Qualquer Bildungsroman – e Herzog é, para usar o pesado termo alemão, um Bildungsroman – termina com um primeiro passo. O primeiro passo verdadeiro. Qualquer indivíduo que se livrou de ideias supérfluas para dar esse primeiro passo fez algo significativo. Quando pessoas reclamam de uma falta de ideias em romances, eles querem dizer que não encontram ideias familiares, ideias que estão em voga. Ideias fora do “cânone” elas não reconhecem.
BELLOW, 1966
Então, se o que elas querem dizer é ideias à la Sartre ou ideias à la Camus, eles estão certos: são poucas em Herzog.
Talvez eles estejam dizendo que os pensamentos de um homem lutando por sanidade não são apropriadas para serem retratados.
A busca simplesmente pela sanidade, este é o esforço de Herzog, e a escrita também é para Bellow um exercício de lucidez. Vício e virtude não são sistemas de bens, mas tendências que se incorporam em atos de vontade e que fazem destes atos de vontade uma segunda natureza da pessoa. Ser responsável por si mesmo é um querer por minha própria condição. O fim último da vontade é o de realizar -se, continuar existindo com liberdade para ser si mesmo. Estar triste não é simplesmente ter uma determinada tonalidade vital ou psicológica. Quem está triste, sente-se triste por causa de uma realidade conhecida ou desconhecida fonte de sua tristeza.
Esta desordem é de ordem moral, uma desmoralização, uma ansiedade que paralisa a realidade para minha vida uma ausência de razão de ser. O indivíduo é uma força criativa agente, não existe um homem massificado, mas sim um homem diminuído em sua força psíquica.
O homem experimenta a si mesmo como alguém que se inclina para além da sua imperfeição humana, sua busca espiritual o desloca para um lugar entre o conhecimento e a ignorância. No seu discurso de agradecimento pelo Prêmio Nobel de Literatura em 1976, ele declarou que o romance é uma forma de buscar o essencial, o que é fundamental e duradouro,
“É uma espécie de abrigo temporário, onde o espírito vem buscar guarida”
Quando lançado, “Herzog” teve tal impacto que Bellow, como contou em entrevista ao “The New York Times” em 1982, recebeu cartas de mais de 3.000 leitores, todas no tom:
“Essa é minha vida, isso aconteceu comigo”
O curso inteiro de nossa vida é um um processo de auto-posse, evolvemos à cada crise refazendo nosso ego para o enfrentamentos das novas circunstâncias. Vamos conversar em nosso próximo encontro sobre este processo de refazimento em Herzog, descobrir através dele , dicas de como lidar com a loucura da vida na modernidade :
” Se estou louco, tudo bem para mim pensou Moses Herzog”
Veja esta entrevista de Saul Bellow :
Você encontra o texto na íntegra do discurso de Saul Bellow para o recebimento do
Prêmio Nobel de Literatura no livro abaixo :
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