ISSN 2764-8494

ACESSE

Artes
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Um acervo de movimentos da dança: Instituto Brincante

O Instituto Brincante é uma iniciativa cultural e educacional criada em 1992 por Rosane Almeida e Antônio Nóbrega.

Brincante é como os artistas populares se denominam e o seu espetáculo sua brincadeira. São aqueles que participam dos brinquedos,.

Brinquedo no Nordeste é sinônimo de canto e de dança. Empregado especialmente como nome genérico das danças dramáticas :Pastoris, Cheganças, Bois, Congos, Caboclinhos, etc.. Também se usa no mesmo sentido brincadeira, brincar.

Esta visão lúdica do trabalho é o foco da visão do Instituto. O pressuposto é a reelaboração, e não a reprodução, dos materiais da cultura popular, por não ser possível uma abordagem “pura” ou “original”. Sobre o Instituto, a crítica e pesquisadora de dança Helena Katz, afirma:

“E o laboratório foi criado com sua parceira, Rosane Almeida: o Instituto Brincante, no qual suas hipóteses podem ser testadas”

Compreender um espaço pedagógico como um laboratório, um local de experimentação, onde toda proposição é vista como testes de um saber que ainda está para ser elaborado, talvez possa, de fato, ser uma atitude que, quando constante, qualifica-o como uma trajetória de pesquisadores.

Antônio Nóbrega reitera sua visão sobre arte popular já expressa em várias entrevistas e no seu site .

“O que é um arte erudita ? Essa dicotomia entre arte popular e arte erudita, eu acho que ela não é muito exata. Popular é um conceito de extração sociológica. Um artista popular é um artista do povo, de um extrato socioeconômico sociocultural. Erudito, não, erudito não é uma palavra de extração sociológica. Erudito é um adjetivo. Então, são palavras que se contrapõe. Então não dá pra você dizer, diálogo disso com aquilo, porque mesmo na arte popular eu posso ter uma arte erudita. Ou seja, uma arte que requer erudição para ser entendida. Por exemplo, para a maioria das pessoas dos cursos de Letras do Brasil, saber o que é um galope à beira- mar requer muito mais erudição do que saber o que é um soneto. Todo aluno de universidade sabe o que é um soneto, mas duvido que algum saiba o que é um galope à beira-mar “

Nóbrega critica o conceito de cultura como folclore, dando um tom nacionalista de determinados movimentos que tentam colocar num “estojo museológico” as manifestações populares que, do seu ponto de vista, não podem ser precisamente definidas, nem em suas ações, nem em suas influências, que mudam, se movimentam e assimilam constantemente uma diversidade de influências. São, portanto, híbridas e renováveis.

No ensaio “Notas sobre a desconstrução do ‘popular’”, Stuart Hall afirma que não existe uma “cultura popular” íntegra, autêntica e autônoma, situada fora do campo de força das relações de poder e de dominação culturais:

“Creio que há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente a cultura popular; para cercá-la e confinar suas definições e formas dentro de uma gama mais abrangente de formas dominantes. Há pontos de resistência e também momentos de superação. Esta é a dialética da luta cultural.”

Stuart Hall

Ocupação Antônio Nóbrega

Em 2013 o Instituto Itaú Cultural realizou uma exposição denominada Ocupação Antônio Nóbrega , nesta realizou uma série de entrevistas com o artista e com os pesquisadores estudiosos das suas obras :

“Essa noção de uma dança brasileira, que fosse popular e erudita, foi por aí que as coisas vieram começando em termos de dança na carreira dele. Mas à medida que o movimento foi acontecendo no corpo dele, eu tenho impressão também por conta do desenvolvimento do trabalho dele com a música, ele foi se interessando por uma coisa que se chama os grandes teatros do Mundo. Várias formulações clássicas em termos de teatralidade e movimentação. E desta situação brasileira ele foi ampliando para mesma situação do erudito com popular para outras culturas….E foi encontrando coincidências de movimentos , de posturas entre o Taiti e a dança de Recife.. coisas que parecem inteiramente descoladas uma da outra , mas de repente não é tão descoladas assim, porque são parecidas… Tenho a impressão que isto foi amadurecendo e hoje é mais claro pra ele um certo vocabulário de similitudes do que tem na cultura popular e em outras culturas do mundo”

Percebemos que não é a mudança de temas, ou de imagens, que caracteriza as alterações estilísticas, mas sim as modificações nos procedimentos artísticos, que propõem novos modos de tornar estéticos os objetos. À medida que um determinado procedimento se torna automatizado, cai no uso habitual da percepção, outras soluções formais se fazem necessárias, em tensão com as anteriores, gerando outro efeito perceptivo, interrompendo um comportamento tornado usual na relação com os objetos artísticos, lançando o espectador em processo criativo.

A inquietação do pesquisador Antônio Nóbrega leva a novos processos de busca. Em 2004, em parceria com o cineasta Belisário Franca, ele realizou uma série de 10 programas denominado: Danças Brasileiras, apresentada inicialmente no canal Futura.

Outro procedimento que surge, inspirado em seu mestre Ariano Suassuna é a Aula- espetáculo, a descrição das mesmas pode ser visualizada em seu site.

1) Mundo Mátria, uma linha de tempo cultural popular brasileira.

Seu objetivo com essas palestras — são quatro, de três horas cada — é tentar aproximar as pessoas, sensorial e intelectualmente, da natureza cultural do Brasil em toda a sua amplitude. O primeiro encontro é dedicado à própria linha de tempo cultural popular brasileira. O segundo, à literatura e à poesia populares; o terceiro, ao imaginário corporal popular; e o quarto, à música.

“Quem sabe um melhor conhecimento e entendimento desse universo cultural não enseje novas práticas, caminhos e perspectivas de atuação para enfrentamento da desafiadora dinâmica sociocultural de nossa época?“, pergunta Nóbrega.

Tanto na forma quanto no conteúdo, as aulas-espetáculos procuram, portanto, harmonizar o discurso com a performance, a teoria com a emoção.

2) Com Passo Sincopado

Por meio de performances, vídeos e falas, Nóbrega apresenta o seu pensamento sobre uma dança brasileira contemporânea sistematizada a partir do encontro de matrizes corporais populares – passos, giros, meneios, molejos, gingados– com princípios técnicos práticas procedimentos formais provenientes das várias linguagens de dança tanto do Ocidente quanto do Oriente.

Na aula-espetáculo, tomando ainda a dança no Brasil como ponto de partida de estudo e reflexão, Nóbrega em Com passo Sincopado, esboça também uma interpretação da cultura brasileira levando em conta tanto a sua ascendência ocidental ou europeia – classe dominante, letrada – quanto a popular – marginal e de substrato oral.

Percebo no processo de criação e pesquisa de Nóbrega uma complexidade crescente, semelhante ao que Steve Johnson denominou de Intuição Lenta.

“A maioria das instituições que se transformam em inovações importantes se desdobra ao longo de intervalos de tempo muito mais longos. Elas começam com uma sensação vaga, difícil de descrever, de que há uma solução interessante para um problema que ainda não foi proposta, e persistem nas sombras da mente por vezes durante décadas, reunindo novas conexões e ganhando força.

E então um dia se transformam em algo mais substancial, por vezes despertadas por um novo acúmulo de informações ou por outra intuição que perdura numa outra mente, ou por uma associação interna que finalmente completa o pensamento.

Como precisam de muito tempo para se desenvolver, essas intuições lentas são criaturas frágeis que se perdem com facilidade em meio às necessidades mais prementes do dia a dia. Mas esse longo período de incubação é também a sua força, porque insights verdadeiros exigem que pensemos alguma coisa que ninguém pensou da mesma maneira antes”

O processo criativo precisa de tempo pra madurar e muitas vezes só o entendemos acompanhando uma vida, uma biografia que expressa uma pesquisa em movimento. Como foi nomeado num documentário voltado para sua história, Antônio Nóbrega é um HOMO BRASILIS.


Adriana Costa é fundadora e mobilizadora da Residência criativa, onde recolhe toda sua experiência para a cocriação de um espaço de pesquisa sobre a potência dos processos criativos, a democratização institucional, e projetos para uma cidade para pessoas.

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(*) Créditos arte da capa: Claudio Barría, intervenção com uso IA sobre fotografia de Walter Carvalho, do Espetáculo Naturalmente.

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