II. O CAMINHO DOS POBRES E DA ECONOMIA POPULAR
A pobreza tem se tornado um fenômeno cada vez mais abrangente e intenso nas últimas décadas em países latino-americanos, com uma crescente disparidade entre os níveis de vida dos pobres e dos ricos. Essa expansão da pobreza está relacionada às transformações econômicas e às tendências de reorganização dos mercados.
Nas sociedades modernas, as pessoas podem participar da economia por meio da economia de empresas e mercado ou da economia pública e estatal. No entanto, tem havido uma tendência de atribuir ao mercado a responsabilidade pela distribuição econômica, enquanto o papel redistributivo do Estado tem diminuído.
Isso exclui uma parcela cada vez maior da população que não possui bens para trocar ou recursos para participar da economia, levando muitas pessoas a se engajarem em atividades econômicas informais para garantir sua subsistência.
Essa situação de pobreza tem levado ao surgimento de uma economia informal, também chamada de economia popular, na qual pessoas e grupos marginalizados da economia oficial desenvolvem estratégias de sobrevivência para satisfazer suas necessidades básicas.
Essa economia informal representa uma forma de participação e obtenção de meios de vida, mas também tem grandes implicações culturais e sociais. Portanto, junto com a expansão quantitativa da pobreza, ocorre uma transformação qualitativa que afeta profundamente a sociedade.
Essa realidade da pobreza nos países latino-americanos reflete a crescente desigualdade social e a falta de oportunidades econômicas para uma parcela significativa da população. A dependência cada vez maior do mercado e a diminuição do papel do Estado na redistribuição de recursos têm deixado muitos indivíduos e grupos à margem da economia oficial, levando-os a buscar formas alternativas de subsistência.
Essa economia informal, embora forneça meios de sobrevivência, também destaca a necessidade de abordar as questões estruturais subjacentes à pobreza e à desigualdade, a fim de criar um sistema mais inclusivo e equitativo.
Transformação da pobreza
O mundo da pobreza, há algumas décadas, era composto principalmente por pessoas que não conseguiram se integrar à vida moderna devido à falta de infraestrutura urbana, empregos e serviços básicos.
Essa marginalização era resultado da reorganização da economia e da estrutura social, que afetou especialmente grupos indígenas, camponeses e artesanais. À medida que o setor moderno crescia, atraindo trabalhadores e consumidores, aqueles que não conseguiram se integrar ficaram dependentes das ações do setor público para sua sobrevivência.
No entanto, essa pobreza residual foi ampliada por uma massa de pessoas que, após terem alcançado algum grau de participação e integração, foram excluídas devido ao desemprego, perda de benefícios sociais e subemprego.
A economia popular
A economia popular surge como resultado da ativação econômica do mundo dos pobres, que foram excluídos tanto do trabalho quanto do consumo na economia formal. Essa economia combina recursos e habilidades tradicionais com elementos modernos e se diversifica em uma ampla variedade de atividades voltadas para garantir a subsistência e a vida cotidiana.
A economia popular busca oportunidades no mercado, aproveita benefícios e recursos fornecidos por serviços públicos e subsídios, e às vezes reconstrói relações econômicas baseadas na reciprocidade e cooperação.
Existem várias formas principais que compõem a economia popular. Primeiro, há os trabalhadores independentes que exercem uma variedade de ocupações informais. Segundo, há as microempresas familiares, geralmente compostas por um ou dois sócios, que produzem ou comercializam produtos em pequena escala, muitas vezes utilizando parte de suas residências como local de trabalho.
Por fim, existem as organizações econômicas populares, que são grupos ou associações de pessoas ou famílias que se unem para gerenciar conjuntamente seus escassos recursos e desenvolver atividades cooperativas para satisfazer necessidades básicas.
Essa diversidade de experiências na economia popular destaca a necessidade de uma tipologia que possa diferenciar suas diversas manifestações. Essa economia representa um caminho importante para compreender a transição em direção à economia de solidariedade, à medida que os indivíduos e grupos marginalizados encontram formas de sustento e desenvolvimento econômico fora do sistema formal.
Causas estruturais da economia popular
A economia popular, com suas diversas manifestações, levanta a questão de saber se é um fenômeno conjuntural e passageiro ou se é uma realidade estrutural e permanente. Para responder a essa pergunta, é necessário examinar as causas do fenômeno. Sabe-se que a explicação não está apenas nos processos internos de cada país, nem se resume aos efeitos das políticas neoliberais implementadas nos últimos anos. A economia popular é um fenômeno global que está enraizado em transformações e tendências econômicas internacionais.
Os países em desenvolvimento são profundamente afetados por três grandes processos globais. Primeiro, há a concentração de capitais das grandes empresas multinacionais, que dominam os mercados e reduzem as oportunidades de competição para outros agentes econômicos. Em segundo lugar, há a competição econômica entre os grandes centros desenvolvidos, que resulta em pressões para a racionalização e aumento da produtividade. Em terceiro lugar, há a rápida inovação tecnológica, que altera as formas de trabalho e diminui a demanda por mão de obra.
Esses processos têm efeitos significativos nas realidades socioeconômicas dos países em desenvolvimento. Por um lado, há uma modernização parcial e dependente que beneficia apenas uma parte da sociedade, deixando a maioria excluída dos benefícios. Por outro lado, há uma diminuição dos papéis redistributivos do Estado, levando a uma incapacidade crescente de atender às demandas sociais. Como resultado, as pessoas pobres e marginalizadas são forçadas a encontrar meios de subsistência por conta própria, iniciando atividades econômicas informais.
A expansão da pobreza pode ser entendida como uma consequência desses fenômenos. A modernização parcial da economia leva à reestruturação das empresas, resultando em redução e modificação da demanda por trabalho e até mesmo na expulsão de trabalhadores. Ao mesmo tempo, o Estado, devido à sua crise financeira, também é incapaz de absorver a força de trabalho e reduz seu gasto social. Portanto, os pobres e marginalizados são empurrados para encontrar suas próprias formas de subsistência por meio de atividades econômicas informais.
Economia popular e solidariedade
A economia popular contém elementos importantes de solidariedade que devem ser reconhecidos e destacados. A cultura dos grupos sociais mais pobres naturalmente tende a ser mais solidária do que a dos grupos de maior renda. A experiência da pobreza leva muitas pessoas a entender a importância de compartilhar o pouco que têm, formar comunidades e grupos de ajuda mútua e proteção.
Além disso, devido aos recursos escassos disponíveis, cada pessoa ou família depende dos outros que enfrentam a mesma carência para complementar seus recursos e habilidades e criar uma unidade econômica viável. Portanto, exemplos significativos de solidariedade podem ser encontrados nas feiras populares, entre artesãos pobres e nos pequenos negócios locais.
Dentre as diversas formas de economia popular, as organizações econômicas populares se destacam como experiências associativas que têm características específicas. Essas organizações são iniciativas desenvolvidas pelos setores populares entre os mais pobres e marginalizados.
Elas são formas de organização técnica, com objetivos definidos, recursos e meios organizados racionalmente, programação de atividades e processos de tomada de decisão. Além disso, essas organizações têm um claro conteúdo econômico, envolvendo atividades de produção, consumo, distribuição de renda e poupança, utilizando recursos escassos de forma racional.
Elas procuram satisfazer as necessidades e enfrentar os problemas sociais por meio de ação direta e autodesenvolvimento, baseadas em relações e valores solidários. Essas organizações buscam ser participativas, democráticas, autogestionárias e autônomas, e tendem a combinar suas atividades econômicas com outras dimensões sociais, como educação, desenvolvimento pessoal e solidariedade.
Elas aspiram ser distintas e alternativas às formas organizacionais predominantes, buscando uma mudança social em direção a uma sociedade melhor e mais justa. Além disso, essas organizações buscam superar a marginalização e o isolamento, conectando-se horizontalmente e formando redes e coordenações para alcançar objetivos mais amplos. Elas também buscam colaboração com instituições não governamentais, públicas e comunitárias que oferecem capacitação, assistência técnica e apoio.
Identidade e projeto da economia popular
As organizações econômicas populares possuem características distintivas que as diferenciam de outros tipos de organizações populares e movimentos sociais. Elas têm uma lógica interna baseada em comportamentos e práticas sociais onde a solidariedade desempenha um papel central.
Essas organizações são apenas uma parte da economia popular e da realidade da pobreza economicamente ativada. Mas é possível observar que a partir dessas experiências associativas e grupais surge um processo mais amplo que pode abranger outros setores da economia popular em direção a uma economia de solidariedade.
Essas experiências associativas demonstram que existem benefícios significativos que podem ser alcançados por meio da cooperação entre pessoas e atividades econômicas individuais e pequenas. Trabalhando juntos, é possível desenvolver atividades de maior escala, ter acesso a melhores preços, reduzir custos, substituir intermediários, obter crédito através de avais cruzados, aprender novas técnicas produtivas e de gestão por meio da troca de experiências, entre outros.
Algumas experiências avançadas mostram que essas organizações podem operar de forma eficaz sem perder suas características distintivas, mesmo que mudem em termos de formas, estrutura e organização.
A perspectiva é que essas organizações, juntamente com outras formas de empresas alternativas, familiares, auto gestionárias e cooperativas, formem um setor de economia popular solidária. Embora possa ser um setor pequeno, ele seria dinâmico e expansivo, inserindo-se ativamente na economia nacional e contribuindo não apenas com o resultado de seu trabalho, mas também com os valores próprios, a criatividade popular, o empreendedorismo e a gestão inovadora.
No entanto, a economia popular atualmente carece de uma identidade social definida e de um projeto comum. Transformar a economia popular em uma economia de solidariedade pode ser o projeto necessário para fortalecer e desenvolver esse setor de atividade, fazendo uma contribuição significativa para superar a pobreza. Isso envolve um esforço cultural e educacional para valorizar o trabalho bem feito, a solidariedade, a cooperação e a organização solidária como elementos fundamentais.
Essa é a jornada inicial em direção à economia de solidariedade, empreendida por muitos a partir da realidade da pobreza e das experiências da economia popular.
Os Caminhos da Economia de Solidariedade (livro) 2 de 12 (na íntegra)
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Luis Razeto Migliaro é um intelectual chileno, Professor de Filosofia, Licenciado em Filosofia e Educação e Mestre em Sociologia. É um dos principais teóricos da economia solidária, cujo conceito foi cunhado por ele.
(*) Na síntese dos capítulos desta série é utilizada Inteligência Artificial generativa. Recomendamos sempre ler o texto na íntegra, em especial para pesquisas mais aprofundadas e trabalhos acadêmicos.