Por Bel Saide*
Para começo de conversa
O caminho da Ginecologia Natural não tem atalhos. É um caminho mais longo, mais demorado. Seu ponto de chegada, porém, se é que existe, é mais verdadeiro e profundo. Mas o caminhar em si só é belo, é leve, é alegre. É o caminho da mulher para dentro de si mesma. É preciso um olhar interior, um mergulho pra dentro. É o caminho do conhecimento do feminino, auto descobrimento e consequente empoderamento.
A ginecologia natural busca acima de tudo a conexão. Primeiro a conexão consigo. E então, no caminho, a mulher encontra outras mulheres na mesma busca, e se conecta com elas. Uma mulher conectada é uma mulher empoderada. Portadora de sabedoria, que se conhece em profundidade.
Nós sabemos o que é habitar um corpo amordaçado pela cultura, pela moral, pelos padrões de beleza. Sabemos o que é o abuso, o controle, a condenação de um corpo que está em constante (r)evolução. Para os olhos do mundo, um corpo que adoece, mas que também se excita, se apaixona, nasce e renasce todos os meses.
Embora não sejamos limitadas a nossos corpos, a cura e a auto-sugestão da saúde estão no corpo: a estrutura física e material do ser humano. É ele que divide o mundo externo do interno, mas também os une. É ele que disfarça e delata, e dentro dele existe uma dimensão incorpórea, pouco reconhecida como um elemento da nossa totalidade.
Quando sentimos verdadeiramente a vibração do nosso corpo sentimos a vibração do nosso ser e compreendemos que em nosso corpo encontram-se todas as respostas.
A natureza à nossa volta e a nossa própria natureza. Nossos ciclos, nossa menstruação, as fases que passamos todos os meses, tão naturais.
Na natureza encontramos a paz e o silêncio necessários para o nosso olhar interno. Na natureza encontramos os insumos que auxiliam a cura. A auto cura. A conexão com cada planta terapêutica se dá de forma diferente em cada mulher. Mas de nada serve um manual de receitas, um medicamento ou uma erva que nos proponham cicatrizar uma parte específica se não estamos imersas no processo, buscando a raiz profunda do que nos adoece e trabalhando sobre ela. A cura trazida pela planta vem também de nossa conexão com a energia vital.
Há algo mais profundo, que se chega com a prática e a abertura para percebermos o que somos e o que habitamos. Nenhum especialista, nenhum livro, nenhuma ferramenta médica pode nos ensinar mais do que nós mesmas sobre aquilo que somos feitas, o que sentimos e desejamos. Se podem nos guiar em assuntos práticos, teremos que emergir no mundo abissal do sentir profundo que transcende tudo isso para escutar a sabedoria do nosso próprio ser. E assim vamos construindo o caminho para o poder de nossa própria cura. E o caminho para nos tornarmos “especialistas de nós mesmas”. O tempo é o seu tempo, nunca o tempo de fora. É essencial o sentir.
Assim como nosso organismo, a Ginecologia Natural evolui conforme nos aprimoramos acerca de sua potencialidade, e poder dividir esse caminho de empoderamento e autocuidado é parte de uma revolução necessária e inadiável.
O autoconhecimento profundo, a autonomia e a conexão com o nosso corpo são caminhos para a liberdade feminina. A saúde real, o empoderamento de nós mesmas e do universo que nos envolve são consequência de uma consciência complexa, que passa pela vivência do ciclo menstrual e de toda a jornada que integra este contexto. Da menarca à menopausa, nosso corpo manifesta realidades, necessidades e impactos de nosso estilo de vida.
E aprender a deixar de ter medo da menstruação, daquilo que se desconhece, é essencial não só para conviver com nossa essência, como para fazer as pazes com algo totalmente natural e fundamental para nosso bem-estar. Fazer parte desta revolução é desistir de “consertar” o que está certo ingerindo hormônios, é adentrar neste novo caminho – que na verdade é antigo, mas combatido até hoje pelo patriarcado. Fazer as pazes com a menstruação, aprender sobre métodos contraceptivos naturais, sobre formas de experienciar o período pré-menstrual sem sofrimento, de encarar a menopausa sem necessidade de tantos artifícios químicos.
Vocês já pararam pra pensar porque muitas mulheres ainda odeiam menstruar? Uma fase que é totalmente natural e fluida foi transformada em vilã do corpo humano, sendo que é graças a ela que a humanidade segue existindo e, é através dela que nos empoderamos ainda mais da nossa saúde. Pois essa cultura de demonizar e temer o sangue menstrual não vem de hoje. Desde a origem de praticamente todas as religiões, o ciclo era condenado, e mulheres, consideradas impuras, impedidas de frequentar templos sagrados. Não é a toa que até hoje a mulher “de TPM” é vista como neurótica, histérica, desmerecedora de credibilidade.
Mas o melhor jeito de romper com esse circuito patriarcal é assumir a menstruação, viver esta etapa como uma revolução interna de um organismo dinâmico, que está em movimento para buscar o equilíbrio. Ouvir o que o corpo está dizendo, respeitando limites e sintonizando emoções em respeito à nossa essência. E isso não significa sofrer: são inúmeras as possibilidades de lidar com sintomas pré-menstruais de forma natural e respeitosa. É um convite para fazermos as pazes com o nosso sangue, com o nosso sagrado, com o nosso corpo.
A Ginecologia Natural é um movimento poderoso e libertador, ancorado na sacralidade e no conhecimento ancestral de mulheres que descobriram na natureza e no autoconhecimento ferramentas inquestionáveis de conexão com nossa essência e equilíbrio.
*Bel Saide é médica ginecologista e obstetra formada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Durante 11 anos, atendeu exclusivamente no SUS (Sistema Único de Saúde), com ênfase na realização de partos humanizados. Desde 2016 se tornou uma referência nacional na área da Ginecologia Natural. Para saber mais: https://ginecologianatural.com.br/