O certo era escrevermos um belo texto editorial, poético, afetivo, simbólico e épico, que estivesse à altura do momento histórico que o Brasil, a nossa América toda e, por que não, o mundo, estão vivendo…
E é que esta edição do Solstício de verão da Pluriverso, faz a passagem, encerrando o ano de 2022…
E como colocar em palavras essa estranha sensação de estarmos ainda em pleno pouso, ainda sem visibilidade da pista, de um dos voos mais turbulento e assustadores em que a maioria de nós jamais embarcou?
E como dizer ou falar de qualquer coisa nesse ciclo que enfim se fecha sem sermos piegas ou panfletários, ou mesmo míopes? Bom, para isso alguns amigos partilharam suas reflexões, como Frei Beto, Célio Turino, Ladislau Dowbor, entre tantos outros (vale muito espiar a edição de verão); Mas como fazer isso só algumas palavras?
A humildade e uma certa sabedoria que nos lembra que nessas lidas nunca estamos sós, porque “há mortos que alumiam os caminhos“, levaram-nos a buscar aconchego na palavra do nosso querido Eduardo Galeano, e nos permitimos reproduzir algumas das que ele derramou em uma carta de agradecimento ao receber o prêmio Stig Dagerman em 12 de setembro de 2010, na Suécia.
Sua palavra nos inspira e representa, em boa medida, os nossos melhores desejos para essa nova volta ao Sol que temos o privilégio de empreendermos juntos. Que sejamos dignos dela!
Tomara que sejamos dignos da desesperada esperança.
Oxalá possamos ter a coragem de ficar sós e
a valentia de arriscarmos a ficar juntos,
porque de nada serve um dente fora da boca, nem um dedo fora da mão.
Tomara que possamos ser desobedientes cada vez que recebamos ordens que humilham nossa consciência ou violam nosso bom senso.
Oxalá possamos ser suficientemente obstinados para continuar a acreditar, contra toda evidência, que a condição humana vale a pena, porque se fomos mal feitos, certamente ainda não fomos terminados.
Tomara que possamos ser capazes de seguir caminhando pelos caminhos do vento,
em que pesem as quedas e as traições e as derrotas, porque a história continua além de nós e quando ela diz adeus, está dizendo: até logo.
Oxalá que possamos manter viva a certeza de que é possível
ser compatriota e contemporâneo de todo aquele que viva
animado pela vontade de justiça e pela vontade da beleza,
nasça onde nasça e viva onde viva,
porque os mapas não têm fronteiras para as almas nem para o tempo.
Claudio Barría Mancilla é músico, doutor em Educação pela UFF, pesquisador do NIRA/FFP/UERJ e membro fundador do Coletivo Pluriverso e do Conselho Editorial da Revista Pluriverso.