Por Érica Verçosa e Andréa Graupen
O mundo está em luto
No final de 2019 ouvimos falar sobre um vírus desconhecido que estava matando muitas pessoas na Ásia. Em 2020 nos deparamos com o surto do novo coronavírus (COVID-19) que se transformou em uma emergência de saúde pública de importância global. O ciclo natural da vida sempre pode ser alterado, mas com a chegada dessa pandemia e suas graves consequências, fomos todas/os afetadas/os e isso tem nos obrigado a arranjar estratégias para o enfrentamento dos diversos sofrimentos causados ou intensificados por essa doença. Diante dessa realidade, quantas vezes paramos para pensar, conversar e refletir sobre o sofrimento que tem acometido milhares de famílias? Se falar sobre a morte e seus processos com pessoas adultas não é fácil, imagine falar sobre a morte com as crianças. É um tabu, pois com o
[…] desenvolvimento do pensamento científico e da tecnologia, a morte tem sido cada vez mais combatida e escamoteada, a ponto de muitas vezes encontrarmos pessoas em situação terminal que se sentem culpadas por seu adoecimento e pela iminente possibilidade de morrer. Em consequência, o tema da morte desapareceu da cultura do cotidiano, o que impediu os indivíduos de contar com repertórios simbólicos para enfrentar a morte e o luto.
(SAFRA, 2018, p. 9)
Evitando falar sobre a morte, de certo modo mantemo-nos distantes da possibilidade de criar intimidade com a vida e sua continuidade. Tal dificuldade nos coloca num vácuo, num vazio que faz com que o fio da vida siga partido, incompleto. Cada uma de nós, a partir da experiência pessoal e profissional, observa e sente esse fio que se interrompe de maneira abrupta ao não dialogarmos abertamente sobre a morte. Para diversas pessoas, professoras/es, psicólogas/os, educadoras/es, amigas/os, familiares, etc, falar sobre a morte pode ser uma tarefa árdua e delicada, mas ao mesmo tempo fundamentalmente necessária.
Reconhecemos que a literatura infantil e outras narrativas, literárias e pessoais, podem ser poderosas aliadas, criando possibilidade de intimidade com o tema. Em tempos onde a vida parece não valer muito e a morte banalizada, as histórias nos lembram a importância de honrar e celebrar o que sentimos, de maneira consciente e corporificada. De maneira inteira e pulsante.
Nossa possibilidade de sentir, ressignificar e acolher é através das histórias
Nesse sentido, um dos principais intentos dessa proposta de vivências sensibilizadoras sobre a morte, será aproveitar a vasta produção literária disponível para colocar o assunto na roda, já que entrar em contato com a morte…
[…] nos dá a verdadeira e concreta dimensão da sua universalidade, imprevisibilidade e inevitabilidade. Essa confirmação mostra o que representa cada segundo que podemos viver! Quanto tempo nos é dado a cada dia para encontros, desencontros, oportunidades de amar, aprender, sofrer, cantar, sorrir, sentir (NUCCI, 2018, p. 69).
O projeto “Pode entrar, Dona Morte! Diálogos sobre o morrer e o viver a partir das histórias”, tem como objetivo criar uma rede de sustentação afetiva e efetiva onde, juntas e juntos, possamos ampliar os múltiplos sentidos sobre a morte e, assim, ressignificar a vida. A equipe responsável pela ação tem, há alguns anos, mergulhado em leituras nas diversas publicações teóricas e literárias disponíveis e aqui irá trazer algumas dicas de livros literários e teóricos a partir de resenhas.
Resenha do livro: Areia na Praia, criado em dias de sol por Elma
Conheci “Areia” em uma manhã fria, embora agraciada com o sorriso acanhado do sol no céu de Garanhuns-PE.
O livro não havia sido lançado quando a Elma me apresentou. Fiquei apaixonada pela história e pensando em adquirir meu exemplar assim que pudesse. Queria deixar meus dedos deslizarem novamente pela capa e quarta capa do livro para sentir a textura daquela areia fina nas mãos e voltar a mergulhar profundamente com aquela menina no mar de sentimentos que a história suscitou em mim.
Quase cinco anos depois aconteceu o reencontro. Escolhendo e organizando com muito amor e carinho os livros e as histórias para o projeto “Pode entrar, dona Morte! Diálogos sobre o morrer e o viver a partir das histórias”, lembrei da sobrinha de tia Zulmira e de suas aventuras com sua melhor amiga, Areia. O azul do mar, o vento batendo nas dunas e a liberdade das amigas a brincar, traz uma sensação enorme de alegria, de felicidade e ternura.
É um livro de pura delicadeza em toda a sua estrutura que vai abrindo ao sopro vento as nossas caixinhas internas que guardam as emoções, que desencadeiam diversos sentimentos relacionados ao amor e a perda simbólica que vai gerando insegurança, culpa, medo, saudade e tristeza.
Cada página virada é a arrebentação de uma onda que vai marcando a areia da praia. É como se o mar escancarasse a grande ciranda da existência e preparasse aquela menina para a vida! Com essa história atemporal, Elma transporta para o litoral, para perto do mar mesmo quem nunca sentiu os efeitos da maresia. Prepare-se para sentir a areia nos pés, sol e vento no rosto, girar na ciranda de Zulmira e viver muitas emoções junto com a menina e sua amiga. O livro “Areia napraia” consta como acervo básico da FNLIJ e foi finalista do prêmio Jabuti em 2018, conta com o projeto gráfico de André Neves e a publicação é da Editora do Brasil, 2017.
Escrito em manhã de chuva fina em Olinda em junho de 2021, por Érica Verçosa, que está desde março de 2020 sem dar um mergulho no mar.
Érica Verçosa ( @cedinho @ericavercosa ) é pedagoga, especialista em Literatura Infantil e Juvenil, Terapeuta Comunitária e Arterapeuta (em formação). Atuante nas áreas da Educação, Cultura e Desenvolvimento Integral e apoio ao desenvolvimento de diversos grupos e Redes.
Andréa Graupen (@Traços @andreagraupen ) é psicóloga, arteterapeuta, trabalhadora da saúde mental. Coordena formação em arteterapia desde 2003.