ISSN 2764-8494

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Outras Economias
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Os Caminhos da Economia de Solidariedade (livro) 3 de 12

Como parte da Curadoria Outras Economias, publicamos de forma exclusiva cada um dos 12 capítulos do livro Os caminhos da economia de solidariedade, de Luis Razeto Migliaro, traduzido ao português. Em cada nova edição, uma versão resumida(*) do capítulo no corpo da matéria, e o capítulo correspondente, na íntegra, para leitura e descarga.
Nesta edição, damos continuidade com o capítulo III.

III. O CAMINHO DA SOLIDARIEDADE PARA COM OS POBRES E OS SERVIÇOS DE PROMOÇÃO SOCIAL

As doações econômicas

Neste capítulo, aborda-se a economia da solidariedade e a prática das doações econômicas. A pobreza é um fator que muitas vezes desperta a solidariedade nas pessoas e instituições que desfrutam de recursos e oportunidades privilegiadas.

A teoria econômica convencional, que se baseia no egoísmo humano e na busca da própria utilidade, não representa fielmente a realidade. Os seres humanos são seres sensíveis e sociais, capazes de se identificar com as necessidades dos outros. Quando confrontados com a pobreza de outras pessoas, muitos se sentem compelidos a fazer doações, o que cria uma dinâmica de transferência de recursos, bens e serviços, contribuindo para a circulação econômica.

Essas doações podem ser feitas em dinheiro, bens, serviços e até mesmo em recursos intangíveis, como conhecimento e tempo, desempenhando um papel fundamental na distribuição da riqueza e na alocação de recursos na sociedade.

Além disso, as doações representam uma manifestação de altruísmo e generosidade, indo além do interesse próprio, estabelecendo uma relação unidirecional em que o foco está no benefício do receptor. Essa prática de doar recursos e assistência econômica se integra ao processo global de circulação econômica, promovendo a solidariedade e a ajuda mútua na sociedade.

As doações não se limitam a dinheiro; elas englobam uma ampla variedade de ativos econômicos, desde bens e serviços até trabalho voluntário, transmissão de conhecimentos e recursos organizacionais, desempenhando um papel crucial na distribuição e alocação dos recursos na sociedade.

Importância econômica das doações

Existe uma discrepância entre a visão tradicional da ciência econômica, que muitas vezes ignora ou subestima o papel das doações em uma escala macroeconômica, e a realidade em que as doações desempenham um papel crucial na economia. As doações, sejam em dinheiro, bens, serviços, ou mesmo conhecimento e tempo, representam um componente essencial da economia, desempenhando um papel significativo na distribuição da riqueza.

A vida de muitas pessoas é permeada por doações, desde a infância até a aposentadoria, quando retornam a ser receptores de auxílio. Isso contradiz a ideia neoliberal de que o sucesso individual é a única fonte de riqueza. Na verdade, o nível de vida e as oportunidades de uma pessoa são amplamente moldados pelas doações que ela recebeu ao longo da vida, destacando o impacto decisivo dessas transferências de recursos na distribuição de riqueza.

É paradoxal que os pobres, muitas vezes, recebam menos doações, já que os recursos que recebem na infância tendem a se esgotar rapidamente, forçando-os a ingressar no mercado de trabalho mais cedo do que aqueles que desfrutam de doações mais prolongadas.

Embora muitas doações ocorram dentro de círculos familiares e comunidades, elas são fundamentais para a coesão social e a formação de grupos solidários. Assim, as doações não são apenas um gesto de benevolência, mas um componente abrangente na economia, com um profundo impacto na distribuição de riqueza e na construção de uma sociedade mais solidária.

Mural con motivos característicos de las Brigadas Ramona Parra.Memoria Chilena.
Mural com motivos característicos das Brigadas Ramona Parra.
Fonte: https://www.memoriachilena.cl/602/w3-article-126159.html

Tipos e qualidade das doações

No contexto das doações econômicas, destaca-se a importância das doações altruístas para os pobres e necessitados, que representam a manifestação mais significativa da solidariedade, caracterizada pelo amor e gratuidade. Essas doações são desprovidas de expectativas de recompensa econômica e frequentemente são feitas a pessoas que têm pouco ou nada para retribuir aos doadores.

É crucial reconhecer que existem vários tipos de doações, e nem todas são verdadeiramente solidárias. Algumas doações são motivadas pelo desejo de obter ganhos econômicos futuros, servindo a fins ideológicos ou até reforçando relações de poder. Essas doações muitas vezes não contribuem para o desenvolvimento de uma economia solidária real.

Além disso, o impacto das doações nos receptores varia, sendo algumas meramente assistencialistas, mantendo a dependência, enquanto outras promovem a autonomia e o desenvolvimento dos beneficiários, capacitando-os para atender suas necessidades de forma crescentemente independente.

Para que as doações tenham esse efeito positivo, elas devem ser condicionadas de modo a incentivar o receptor a desenvolver suas próprias capacidades e recursos. A aprendizagem sobre como fazer doações verdadeiramente solidárias é fundamental para o desenvolvimento da economia de solidariedade.

A economia das doações institucionais

As doações, originalmente consideradas como transações entre doadores e receptores individuais, deram origem a complexos sistemas e instituições que operam como parte da chamada “economia das doações institucionais.” Essa economia engloba atividades econômicas conduzidas por associações e instituições que canalizam recursos, bens e serviços como doações, sem visar lucro, e frequentemente sem cobrar dos beneficiários pelos serviços prestados.

Instituições de doações, comumente associadas à caridade e beneficência, existem desde a antiguidade e desempenham papéis cruciais em ajudar categorias de pessoas necessitadas, como doentes, idosos e crianças. Essas instituições tradicionais frequentemente realizam ações de profundo significado humano e benefício social.

No entanto, uma expressão mais moderna da economia das doações institucionais engloba fundações de co-financiamento, organizações não governamentais, grupos de promoção e desenvolvimento, institutos de pesquisa em assuntos sociais e muito mais. Essas instituições modernas, em grande parte, têm motivações altruístas e visam promover o desenvolvimento em várias dimensões, como capacitação social e técnica, financiamento de organizações de base, assistência técnica, apoio a comunidades, e promoção social e cultural, contribuindo para o desenvolvimento de uma economia de solidariedade.

A intermediação solidária de doações

Existem instituições que intermediam doações em diferentes níveis, formando uma cadeia que conecta doadores e beneficiários. Essas instituições incluem fundações, agências de financiamento, instituições de serviços profissionais e grupos de promoção, com funções específicas em cada nível da cadeia. Elas desempenham um papel fundamental na canalização de recursos desde doadores efetivos até beneficiários reais, atuando como intermediários técnicos entre as ofertas de doações dos doadores e a demanda de serviços dos beneficiários.

Uma característica crucial dessas instituições é o seu caráter profissional, empregando equipes especializadas para realizar suas funções e sendo remuneradas pelos serviços que prestam. No entanto, a falta de mecanismos eficazes de avaliação e controle pode levantar desafios éticos e de transparência em suas operações.

A ética, o compromisso pessoal e os valores desempenham um papel fundamental na determinação do caráter solidário dessas instituições e na qualidade dos serviços que prestam aos beneficiários. Portanto, a capacidade de incorporar solidariedade à economia e realizar economia com solidariedade depende das práticas internas, relacionamentos com os beneficiários e dos ideais de trabalho das instituições intermediárias.

Além disso, a solidariedade não é incompatível com a eficácia e, em muitos casos, solidariedade e eficácia podem se alinhar, especialmente em organizações que operam com a lógica da economia solidária. O compromisso e o engajamento na resolução dos problemas dos setores populares e das necessidades dos beneficiários são essenciais para determinar o caráter solidário e eficaz dessas instituições de intermediação.

Dez critérios da cooperação solidária

A racionalidade econômica das instituições que intermediam doações se manifesta em dez critérios adotados por agências de cooperação e organizações não governamentais (ONGs) que buscam uma abordagem de economia solidária.

O primeiro critério destaca a opção por apoiar os pobres, considerando diferentes grupos como marginalizados, setores populares e trabalhadores de baixa renda. O segundo critério favorece grupos de base organizados ou em processo de formação, enquanto o terceiro destaca a preferência por atividades inseridas em modelos de desenvolvimento alternativos baseados em valores de cooperação e solidariedade.

Os critérios subsequentes abordam a importância de benefícios imediatos e soluções permanentes, a orientação para programas de ação integrais, a prioridade para organizações democráticas e participativas, a promoção da autonomia dos grupos beneficiados, o apoio a projetos articulados ao longo do tempo, a preferência por atividades em escala humana e a base das opções de doação em avaliações rigorosas das organizações e de seus contextos. Conclui-se que, ao incorporar esses critérios em suas ações, as instituições contribuem eficazmente para o desenvolvimento da economia solidária.

O texto destaca que as unidades econômicas populares e solidárias muitas vezes começam com recursos precários, enfrentando dificuldades em operar eficientemente no mercado global. A presença significativa de doações se torna uma condição crucial para sua constituição e viabilidade econômica, sendo determinante no surgimento e desenvolvimento da economia popular. Alguns economistas consideram essa dependência das doações como uma inconsistência estrutural, questionando a capacidade da economia solidária de se desenvolver de forma autossustentada.

Um sistema de apoio à economia popular e de solidariedade

As unidades econômicas populares e de solidariedade, na maioria dos casos, nascem com uma grande precariedade de recursos, e encaram adicionalmente dificuldades especiais para operar adequadamente no marco de uma economia e de um mercado globais organizados com base numa lógica da competição e da acumulação que não as favorece e que, longe de facilitar sua inserção nos mercados, coloca a elas dificuldades para sua afirmação.

A capacidade de captar recursos e acessar mercados centrais torna-se crucial, e as doações são consideradas como um mecanismo interno dessa economia, alinhado à sua lógica e racionalidade. Sustentar que a economia solidária precisa de doações não revela fraqueza intrínseca, mas destaca a necessidade fundamental de solidariedade para sua existência e desenvolvimento.

A eficiência da economia solidária está ligada à capacidade de tornar os fluxos de doações permanentes, garantindo recursos abundantes e de alta produtividade e alocando-os de maneira efetiva.

a) falta de financiamento para instalação, equipamento e operações, em vistas à impossibilidade de aceso ao mercado de capitais por falta de garantias e fiadores.
b) Deficiências na tecnologia de produção, design de produtos, organização do trabalho, controle de qualidade, etc.
c) Dificuldades de comercialização, que deriva da inexperiência, desconhecimento de estratégias e técnicas de marketing, falta de centros de vendas, insuficiências de estoques e de uma gama adequada de produtos complementares, carência de contatos com provedores e distribuidores, etc.
d) Deficiências na gestão empresarial, desde as unidades econômicas se constituem a partir de pessoas cuja experiência econômica tem sido geralmente, subordinada e dependente, com escassa participação na tomada de decisões autônomas.
e) Falta de integração e coordenação com outras unidades e organizações econômicas, o que determina um estado de atomização e dispersão da economia popular que lhe impede a realização de ações conjuntas, seja no nível das operações em escala como no da representação social de seus interesses setoriais.

Diversas instituições de apoio, financiadas por doações, foram criadas para lidar com problemas financeiros, tecnológicos, de comercialização e de gestão enfrentados por pequenas unidades econômicas populares. Fundos rotativos de crédito, cooperativas de poupança e crédito, institutos de capacitação técnica e do trabalho, e organizações de comércio foram estabelecidos para fornecer recursos financeiros, capacitação tecnológica, suporte na comercialização e assessoria na gestão.

A ação coordenada dessas iniciativas compõe um sistema de apoio estratégico, fortalecendo a economia popular e permitindo sua integração nos mercados. À medida que as unidades econômicas crescem e se tornam mais autônomas, contribuem ativamente para o sistema de apoio, perpetuando o ciclo de doações e apoio para novas experiências.

Os Caminhos da Economia de Solidariedade (livro) 3 de 12 (na íntegra)

O livro completo Os caminhos da economia de solidariedade está disponível para compra a seguir. Você também pode fazer uma leitura prévia ou partilhar:

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Luis Razeto Migliaro é um intelectual chileno, Professor de Filosofia, Licenciado em Filosofia e Educação e Mestre em Sociologia. É um dos principais teóricos da economia solidária, cujo conceito foi cunhado por ele.

(*) Na síntese dos capítulos desta série é utilizada Inteligência Artificial generativa. Recomendamos sempre ler o texto na íntegra, em especial para pesquisas mais aprofundadas e trabalhos acadêmicos.

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