A mineira Conceição Evaristo teve uma infância difícil. Embora com muitas privações, porém, ela sempre foi cercada pelas palavras afetuosas e inspiradoras da mãe e das tias. Mas, foi mesmo quando teve oportunidade de ter acesso a livros que um novo mundo se descortinou. Hoje é linguista, escritora laureada, poeta, cronista e teve uma carreira muito bem sucedida como pesquisadora-docente universitária. Participa ativamente dos movimentos de valorização da cultura negra.
Foi um salto, sem a menor dúvida. De origem pobre, nascida em favela, para a mulher que é hoje, Conceição Evaristo poderia ser considerada um case de sucesso, uma personagem pronta a estimular outros que, como ela, estão vivendo as privações que hoje batem à porta de milhares de brasileiros. Mas… A escritora faz questão de não adotar o discurso da meritocracia:
“ A minha história de vida e a de muitas mulheres e homens negros que sobressaíram nesta sociedade têm que ser contadas e lidas com muita sobriedade e com crítica. Um discurso de meritocracia é perigoso. Parece que na sociedade brasileira, quem estuda chega lá. É mentira. Já estão lá aqueles que tiveram condições, sem nenhum problema. As pessoas vindas de classe pobre têm que pelejar muito, é bem diferente”, disse ela.
As populações privadas de assistência acabam encontrando formas de enfrentar o cotidiano difícil. E a leitura precisa ser incentivada porque é pelo caminho da leitura que outras questões são encaminhadas. A escola tem que ser a maior responsável por introduzir as crianças no mundo da leitura disse Conceição Evaristo durante um encontro virtual promovido pela Rede Voluntária Vale há dez dias.
A leitura como caminho possível
É justamente a leitura que possibilita, sobretudo as mulheres negras e pobres, a saírem deste lugar de privações e entrar em outro mundo, sempre de maneira inesperada, já que o “natural” é que elas sigam outro. Segundo Conceição Evaristo, é preciso afirmar que ser escritor ou escritora não é apenas uma condição para homens e mulheres brancas:
“Eu consegui furar este cerco. A literatura me persegue, pelo fato de minha mãe ter trabalhado em casa de escritores (Otto Lara Rezende, por exemplo). E consegui sair desse lugar subalternizado que as mulheres negras têm. Gosto de imaginar minha mãe limpando os livros do escritor, desejando ter aquele objeto. E, anos mais tarde, poder observar uma filha dela ocupando este lugar”, disse Conceição Evaristo.
O que precisa ficar muito claro, na opinião da autora de “Olhos DÁgua”, “Insubmissas lágrimas de mulheres”, “Histórias de leves enganos e parecenças” e “Canção para ninar menino grande”, entre outros, é que a leitura e a escita são direitos. Assim como a habitação, a segurança, o alimento.
“Numa sociedade democrática temos direito à leitura, à escrita, temos direito a ir a um teatro, a um concerto, a uma roda de samba”, conclui Conceição Evaristo.
Nada mais importante para se lembrar quando estamos a sete dias de uma eleição profundamente relevante, capaz de mudar os rumos do país e mergulhar-nos em tempos de desvalorização da cultura. Que a leitura, a escrita, possam ser vistos, como diz a mineira Conceição Evaristo, “de pertença de todos nós”.
Essa matéria foi publicada também na Revista Entre Nós
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