O assassinato e o sofrimento silencioso daqueles que defendem a terra e o meio ambiente.
Escrito por Amanda e Claudio da equipe Pluriverso
Triste recorde
Relatório anual da ONG Global Witness classifica o Brasil como o 4º país com mais mortes de ambientalistas e protetores da terra, em todo o planeta. Na sua frente estão apenas a Colômbia, o México e as Filipinas. Os dados evidenciam a fragilidade da administração do governo. São por sua vez, consequência do enfraquecimento da legislação e combate a crimes ambientais, assim como da estrutura de proteção aos povos originários e seus territórios.
Diversos colaboradores da revista Pluriverso vêm abordando as questões climáticas, a importância do direito socioambiental e da luta pela terra e pela vida. Um bom exemplo é a entrevista com Noam Chomsky. Ela deixa em evidência a importância e a urgência da defesa da terra e do combate aos crimes socioambientais. Assim também, o excelente artigo de Nádia Rebouças que traça a trajetória desse debate no âmbito corporativo.
Paradoxalmente, com o agravamento da crise ambiental, o assassinato de ambientalistas, ativistas e protetores de terras vem aumentando a cada ano. Alguns casos se tornaram ícones da luta pela vida, como os assassinatos do Chico Mendes, em 1988, em Xapuri, noAcre, da missionária Dorothy Stang em 2015, em Anapu, e do Paulinho Guajajara em 2019, no Maranhão. Mas muito além deles, hoje os casos se multiplicam.
Todos eles foram ocasionados por disputas de poder em favor dos grandes negócios. Ao mesmo tempo, expõem a vulnerabilidade de medidas protetivas para aqueles que lutam em favor da terra e de direitos socioambientais. Chico Mendes lutou a favor dos seringueiros da Bacia Amazônica, cuja subsistência depende da preservação da floresta e das seringueiras nativas. Paulino era um guardião da floresta, responsável por fiscalizar e denunciar invasões na mata. A Irmã Dorothy, defendia o direito dos mais pobres à terra, confrontando os interesses dos grileiros (ladrões de terras públicas).
A nova narrativa no poder e o aumento das mortes
A postura das principais autoridades políticas do país possui grande influência na legitimação de mortes como essas. Isto, porque seu caráter institucional pode reforçar, com o seu discurso, a sensação de impunidade. Essa situação se agrava nos dias de hoje. De fato, a criminalização dos movimento sociais e o sentimento de impunidade dos seus carrascos escancara na narrativa que espalhada peloo próprio presidente da república e seus ministros. Um discurso que prioriza armar a população, legitima a ação de grileiros e defende o agronegócio, criminaliza os sem terra e os movimentos sociais em geral, faz chacota das mortes de ambientalistas e indígenas e fica impune após incitar à violência. Parece haver uma permissão velada para matar, com o aval implícito da autoridade máxima do país.
Em 2020, vinte lideranças brasileiras foram assassinados pela sua ação em defesa da vida e da terra. Oito delas eram indígenas e duas ribeirinhas. Essas pessoas não eram apenas números, mas sim vidas humanas que foram arrancadas em defesa da vida de todos nós. E é por isso que é preciso lembrar delas.
Virgínio Tupã Rero Jevy Benites;
Zezico Rodrigues Guajajara;
Ari Uru-Eu-Wau-Wau;
Damião Cristino de Carvalho Junior;
Antônio Correia dos Santos;
Carlos Augusto Gomes;
Celino Fernandes e Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes;
Fernando Ferreira da Rocha;
Raimundo Paulino da Silva Filho;
Marcos Yanomami e Original Yanomami;
Kwaxipuru Kaapor;
Josimar Moraes Lopes e Josivan Moraes Lopes, ambos Munduruku;
a família Mateus Cristiano Araújo;
Anderson Barbosa Monteiro e Vanderlânia de Souza Araújo;
Claudomir Bezerra de Freitas e Raimundo Nonato Batista Costa.
E você com isso?
Longe de serem exceções ou casos policiais de violência local, o contexto desses assassinatos é o mesmo. Trata-se do avanço até aqui inexorável de um modelo de organização da produção da vida que desconhece nosso vínculo com a terra e com a vida nela. Defesa da reforma agrária, combate à exploração madeireira e mineração ilegais, agronegócio, proteção da água e barragens continuam a ser motivos da morte violenta.
Esse modelo de sociedade tem nos lançado na maior crise até agora enfrentada pela humanidade. Sua ideia de desenvolvimento se basea no extrativismo e na exploração das riquezas naturais e do trabalho dos mais para o enriquecimento de poucos. É esse modelo que vem tornando insustentável nossa própria sobrevivência como espécie. Muito além de necessárias medidas protetivas pontuais, é urgente uma reestruturação do Estado em defesa da vida. Tal reestruturação é parte essencial de uma mudança social e cultural mais profunda ainda.
Como nos alerta o escritor chileno Lawrence Moro Maxwell, nas suas Notas para uma revolução agroecológica, publicadas na Pluriverso,
“Se houver futuro, sua pedra fundamental serão os assentamentos humanos autossuficientes e ambientalmente responsáveis. Pequenos passos não são mais suficientes, pois carregamos gerações de abusos, que exigem processos de transformação amplos e imediatos. O planeta está nos pedindo de várias maneiras para agirmos com urgência. A Terra tem uma grande capacidade de regeneração, mas neste momento precisa da nossa ajuda: reflorestar, recuperar os corpos d’água, curar suas paisagens e dar exemplos positivos que nos permitam continuar habitando este planeta, esperançosamente, por muito tempo. Nosso modo de vida deve ser eficiente, mas minimalista, e sua base deve estar na agricultura natural.”
Essas pessoas, indígenas, ribeirinhos e ativistas que entregaram suas vidas em defesa da terra, sabiam disso. Eles pertencem a uma espécie de ser humano cada vez mais rara e necessária, eles são a nossa última linha de defesa.
Para se envolver mais com conteúdos relacionados ao texto, você pode acessar os fóruns da Pluriverso e abrir um novo debate dentro da curadoria de conteúdo socioambiental.